A fibromialgia fez-me ser uma pessoa melhor. Para mim. Para a vida. Foi há uns atrás, já nem sei precisar quantos, que comecei a sentir dores. Só quando teimaram em incapacitar-me é que decidi ir ao médico. Seguiram-se muitas análises e exames e muitas suspeitas disto e daquilo. Sempre de difícil tratamento sintomático e com reações adversas às medicações prescritas, cheguei ao ponto de ter que abandonar toda a medicação e ir para hepatologia, dado o meu fígado ser solidário comigo e ter ficado doente também.
As incertezas, as lutas diárias, foram-me mudando. Para uma pessoa menos saudável mas para uma pessoa melhor. Foi há dois anos que se chegou a um diagnóstico… bem… dois. Tenho artrite psoriática e fibromialgia. Depois do meu corpo ter rejeitado o primeiro tratamento, lá se convenceu e aceitou o segundo. Sou seguida em reumatologia com consultas de quatro em quatro meses. Tenho medicação para o fim de semana, diária e para as crises. O único exercício que faço diariamente são caminhadas (é o que consigo). Quando acho que preciso consulto a minha psicóloga. E coisa está mais ou menos controlada. Vou descrever os dias que pautam a minha vida: um muito mau, um assim-assim e um bom. Um dia mau começa quando me quero levantar da cama e não consigo. Não me sinto apesar de pesar toneladas e estar colada com cola-tudo ao colchão. “humm, estás tão boa… levanto-me ou não?”. Levanto-me. Tenho sempre que me testar. Para a seguir me deitar no sofá. Em pé apercebo-me de tudo. O mal estar está instalado. Muito cansaço, sem gota de energia, arrasto-me. Dói-me a cabeça, tenho náuseas, doem as pernas, os pés, as mãos. Ui!!!! O meu ombro!!!! Ai!!!! O cotovelo… Tenho a boca sequíssima e um calor estranho no corpo. Chego à cozinha para tomar o pequeno almoço, medicação diária e medicação de crise. “Onde estão os comprimidos? Ainda ontem estavam aqui. Estou a olhar para o armário. Afinal o que é que eu quero? Ah! Uma chávena!”. Ao sentar-me no sofá percebo que me dói a lombar e os joelhos. Deito-me. E adormeço. O meu corpo e mente presenteiam-me sempre com o dormir. Acho que é assim que se defendem. Não me oponho. Claro que durmo de forma intermitente, pois há sempre uma “dorzita” a chatear. Um dia assim-assim começa quando me levanto e penso “Não estou grande coisa…” Esta situação causa-me ansiedade mas decido arriscar. Faço tudo devagar, não porque queira, mas porque não consigo. O que interessa é sair para ir trabalhar. E saio, mais maquilhada que um dia bom. Chego ao serviço e cumprimento os colegas e as colegas com um sorriso. Estou sem paciência nenhuma mas não sou uma pessoa mal educada que sofre de autocomiseração. Sento-me e digo-me: “uma coisa de cada vez no ritmo possível. Estás a dar o teu melhor e livre-se de quem diga o contrário!”. A meio da manhã pioro. Tenho a visão toda enevoada, olho para os papéis e literalmente durante momentos ou minutos, não sei o que tenho que fazer com eles. Começo a ficar muito irritada por não conseguir ler e por esquecer o que é para fazer. Levanto-me e sinto uma vertigem. Sento-me muito quieta. Sem dar conta, a situação assim-assim ganhou terreno, a ansiedade aumentou e resvalou num ataque de pânico. Pois… Também tenho ataques de pânico. Só coisinhas boas… E um comprimido SOS e aguento o pânico o mais que posso sabendo que ele terá que passar. E passa. Mas a ansiedade é gatilho para as dores. Passo o resto do dia com dores, com mais um ou dois comprimidinhos, a arranjar paciência aqui e ali, a esconder o meu estado e a dizer-me “és uma valente! Não te rendas!”. E o dia segue e termina comigo assim-assim. Ao deitar-me penso “Como é que será que estou amanhã?” e logo me respondo “Caga na cena. Vê se consegues dormir e tens tempo para ver isso amanhã.”. Um dia bom começa por ser normal. É que nem penso ou sinto se estou má ou assim- assim. Tudo se faz com leveza e sem esforço. É possível ter brincadeiras malucas com a filha e com o filho, adiantar trabalho, fazer amor. E o que é um dia normal para todas as pessoas é um dia bom para mim. Aproveito-o todinho!!!! A nuvem no céu, a flor amarela, o vento na cara, o respirar. Danço porque hoje posso dançar. É um dia feliz. Um dia normal para as outras pessoas é um dia feliz para mim. Mas um dia feliz para mim penso que não o será para a maioria das pessoas. A fibromialgia e a artrite psoriática mudaram-me. Tive que defender-me de mim. Tive que me reposicionar na vida. Tive que aprender a viver com dor crónica. Esta aprendizagem é constante e indelével. Apesar de muitos dias maus durante meses, apesar de muitos dias assim-assim durante meses, apesar de dias bons durante pouco tempo, esta é a minha vida. Este pouco tempo é gigantesco e estou convicta que não o seria se não fosse a fibromialgia. Estou grata à fibromialgia, à artrite psoriática e aos ataques de pânico por me permitirem dar valor, tirar valor e relativizar de uma forma que não seria tão lúcida se não tivesse dor. A minha vida nunca mais foi a mesma mas eu sou mais feliz. Anónimo - 21/11/2017
3 Comments
Ana
25/11/2017 10:54:56 am
Minha querida anônima devemos ser sósias, são tal e qual sem tirar uma virgula os meus 3 tipos de dias, e a minha conclusão é a mm, grata à fibromialgia, à síndrome do cólon irritável e à síndrome de fadiga crônica q me fizeram poder agradecer cada dia em q saio para trabalhar e sinto o vento na cara e vejo o céu azul ou cinzento ele é sp bonito!☺ eu estou a aprender todos os dias a saber viver c fibromialgia e é possível ser feliz. Grande xi-coração
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Alan
9/4/2018 07:13:50 pm
Parabéns Anónimo pela coragem e enxergar o lado positivo da fibromialgia! Há males que vem para o bem! Aprendemos a dar mais valor à vida, aos momentos bons, e valorizar o que realmente importa na vida. Sofro mas também penso como você! Um grande abraço!
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Joana Barbosa
27/7/2023 02:22:38 am
Parabéns, parabéns pelo texto, parabéns pela forma como se expressa. Parabéns pela coragem d não cair em lamúrias.
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July 2023
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